A Sociedade de Arqueologia Brasileira – SAB vem por meio desta consternar sua extrema preocupação em relação ao Substitutivo ao PL 3.729/2004 de autoria do Sr. Deputado Mauro Pereira, entregue à Comissão de Finanças e Tributação em 27 de abril de 2017.
Em suma, o substitutivo proposto acaba com o licenciamento arqueológico preventivo,
contrariando a Constituição Federal de 1988 que, em seus artigos 216 e
225, considera o patrimonio arqueológico pertencente à Uniao, garantido a
sua proteção pelo Estado.
No
Substitutivo ao PL 3.729/2004, o Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional – IPHAN, “Órgão do Ministério da Cultura que tem a
missão de preservar o patrimônio cultural brasileiro”’, incluindo o
patrimônio arqueológico, não é sequer citado.
Dentre os problemas identificados, destacam-se:
-
Nos itens I e II do artigo 7, a redação do PL permitirá que a
implantação de empreendimentos relacionados às atividades agrícolas e de
silvicultura possam ser estabelecidos sem nenhum estudo prévio; o mesmo
ocorre nos itens IV e V, os quais desobrigam o empreendedor a realizar
estudos em projetos de dragagens, captação e distribuição de água,
colocando em claro risco o patrimônio arqueológico;
-
No item III, artigo 28, da seção 6, o texto aponta que autoridades
responsáveis pelo patrimônio devem ser ouvidas quando bens acautelados
existirem na ADA. Mas se o IPHAN não está envolvido desde o início do
processo, como garantir que serão realizados estudos que permitam a
identificação desses bens? Vale lembrar que a maioria dos bens
arqueológicos não está nem registrada e tão pouco visível, ou pode ser
identificada por um leigo.
A
SAB reconhece que os mecanismos de licenciamento podem e devem ser
aprimorados, porém, as medidas contidas no texto Substitutivo do PL
3.729/2004 não contribuem para tal aprimoramento. Ao contrário,
fragilizam o processo de licenciamento, colocando em risco a proteção e a
preservação do patrimônio arqueológico brasileiro, bem único e não
renovável, de propriedade e interesse de toda a sociedade. Seu estudo
permite conhecer, por meio dos objetos deixados por nossos antepassados
(que formam os sítios arqueológicos) as diferentes culturas que compõe a
sociedade brasileira.
Dentre
inúmeros outros casos, exemplificamos, a seguir, sítios de alta
relevância encontrados em diferentes tipos de empreendimentos que só
foram estudados graças à legislação vigente de licenciamento
ambiental/arqueológico e à participação do IPHAN no processo de
licenciamento:
Cais
do Valongo – Rio de Janeiro/RJ – revitalização do Centro do Rio de
Janeiro - Sítio na lista indicativa da UNESCO para se tornar patrimônio
da humanidade
Gruta do Gavião – Carajás/PA – área de mineração
Sítio Lítico Morumbi – São Paulo/SP – área de construção civil
Sítio Portocel – Aracruz/ES – área de silvicultura
Geoglifos - Acre – linha de transmissão
Sítio Pinheiros II – São Paulo/SP – área de construção civil
Sítio arqueológico Caetetuba – São Manuel/SP – sítio de 12 mil anos - área de expansão de lavoura
Porto de Santos – SP – dragagem do leito do porto
Datação mais antiga para sambaquis no Espirito Santo – área de loteamento
Arraial de São Francisco - Mato Grosso – área de mineração
A exclusão do IPHAN no processo de licenciamento implícita no substitutivo proposto, a despeito do grande avanço proporcionado pela IN 001/2015 e ao grande incremento de seu quadro técnico, é inadmissível e coloca em risco o patrimônio da União,
conflitando com a legislação de proteção vigente, além da própria
Constituição do Brasil. A liberação de categorias de empreendimentos,
como os agrícolas e a silvicultura, entre outros, sem considerar suas
dimensões e localização, é ignorar o potencial impacto negativo que
essas atividades exercem sobre os sítios arqueológicos. Os quais, sem
adoção das devidas medidas de mitigação e compensação, podem levar à
destruição de inúmeros sítios arqueológicos e, consequentemente, à
impossibilidade de produzirmos narrativas sobre o passado da sociedade
brasileira.
A menção à
necessidade de comunicação em caso de descobertas fortuitas de vestígios
arqueológicos na ADA dos empreendimentos demonstra a total ignorância a
respeito da necessidade de pesquisas prévias para identificação e
proteção desse patrimônio. Não se pode delegar ao acaso a proteção da
história e cultura de uma nação.
Assim
sendo, a SAB considera o Substitutivo ao PL 3.729/2004 uma iminente
destruição do patrimônio arqueológico brasileiro e reitera a necessidade
do IPHAN ser ouvido nos ritos de licenciamento, de acordo com o exposto
na IN 001/2015.
A
Arqueologia é a ciência social que estuda, por excelência, os objetos
deixados por inúmeras sociedades que habitaram e habitam o território
nacional, visando à compreensão de suas transformações ao longo de
milhares de anos. A Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB) é uma
associação científica e sem fins lucrativos, que congrega
arqueólogas(os) dedicados ao ensino, à pesquisa e à prática da
Arqueologia, visando à promoção, ao conhecimento e à divulgação da
arqueologia e do patrimônio arqueológico brasileiro. Fundada em 1980,
vem lutando ao longo desses anos pela proteção do patrimônio
arqueológico brasileiro e pelos direitos de comunidades tradicionais do
Brasil.
Prof. Dr. Flávio Calippo
Presidente da Sociedade de Arqueologia Brasileira
SAB - Sociedade de Arqueologia Brasileira
http://www.sabnet.com.br/
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