Eles ganham um salário mínimo, trabalham de
forma terceirizada, sob pressão constante para cumprimento de metas
consideradas impossíveis, e por tabela, servem de escudo entre empresas dos
mais variados tipos de comércio, prestação de serviços e produtos e as
respectivas clientelas. De acordo com o Sindicato dos Telefônicos do RS
(Sinttel/RS), atualmente, constituem mais de 2 milhões de trabalhadores
legais e ilegais de telecentros pelo Brasil, mais conhecidos como call centers, atuando como
braço terceirizado das grandes empresas, fazendo o telemarketing, seja Serviço de Atendimento ao
Cliente (SAC) ou na área de vendas.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da
Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) no primeiro semestre
deste ano, apresenta um estudo inédito que será publicado até agosto. Elaborado
por Renata Queiroz Dutra, mestre em Direito do Trabalho, defende que a
precarização no setor de call center resulta em adoecimento, porém, as
decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST), apesar de muitas vezes
favoráveis aos trabalhadores, dissociam causa e consequência.
“Os trabalhadores de call
center têm passado por um processo de precarização gradual e que tem
resultado em adoecimento, e eu procurei analisar alguns acórdãos do Tribunal
Superior do Trabalho, que vão de 2005 a 2013, para avaliar como o poder
Judiciário tem compreendido a relação de causa e efeito entre precarização e
adoecimento. Então, analisei tanto os pedidos de trabalhadores que se referiam
aos processos de precarização, contratos terceirizados, controle de uso de
banheiros, assédio moral e cobrança de metas”, explica. Segundo ela, quando
adoece, o trabalhador reclama uma indenização na Justiça do Trabalho, porém, há
um “dado gritante na pesquisa”: ainda que a estrutura judiciária tenha
oferecido alguma resposta nos casos de adoecimento, condena as empresas, mas
com valores de indenização que ficam muito aquém do que seria minimamente
necessário para compensar os danos sistemáticos de adoecimento num tipo de
trabalho que tem atingido maciçamente os trabalhadores.
“Mas o mais grave de tudo é o poder Judiciário não estabelecer esta
conexão entre o adoecimento massivo e a precarização do trabalho como
causadora. Eu tive a oportunidade de ver muitos casos em que a Justiça do
Trabalho entendia que a terceirização era lícita, que o controle dos banheiros
era algo tolerável, que não havia excesso na cobrança de metas. No entanto, no
que se refere ao adoecimento, penalizava o empregador. Ou seja, separa a causa
do efeito, quebrando o nexo”. Na opinião da pesquisadora, isso reprime a
empresa no que se refere ao adoecimento, mas não tem uma ação preventiva no que
se refere às causas: conduta e modelo de gestão do empregador que precarizam e
que produzem dentre outros fatores, o adoecimento.
Outra conclusão grave do estudo é o descumprimento da NR 17, e que o Judiciário
tem dialogado pouco com a norma. Muitas das questões que são discutidas nos
processos dos operadores de call Center vêm amparadas em violações da
NR, em situações que já estão previstas na norma, mas o Judiciário tem tratado
todas essas situações sem nem sequer se reportar ao texto da NR. “É uma das
poucas normas que mais do que proteger a saúde, protege a integridade e a
dignidade do trabalhador. Esta norma tem sido ignorada. Existe uma diferenciação
entre os tribunais regionais e o TST, principalmente no que se refere ao
reconhecimento da NR, por conta de uma restrição técnica. Os TRTs têm maior
liberdade de entender os casos, quanto o TST só recebe esses fatos para
enquadrá-los juridicamente. O que resulta disso é que ao invés de se perceber
que é um problema coletivo, acaba sendo individualizado”. Renata destaca,
porém, o marco firmado pelo TST em 2012, que reconhece a terceirização na
atividade de call center como ilícita, gerando jurisprudência no
reconhecimento do vínculo empregatício diretamente com a empresa
concessionária.
“Isso significa um grande avanço no patamar de direitos desses
trabalhadores, embora não estabeleça o vínculo com o adoecimento, já houve
condenações exemplares no que se refere à terceirização, mas ainda há muito o
que avançar”, analisa. Atualmente, conforme decisão do TST, esse tipo de
terceirização praticada por essas empresas é ilícita. A subcontratação desses
trabalhadores por grandes empresas para prestar serviços para terceiros ocorre
de forma ilícita. E quando eles reclamam o vínculo empregatício na Justiça do
Trabalho, o mesmo é atribuído diretamente à tomadora de serviços, no caso
empresas como Net, Tim, Vivo, Telemar, entre outras, que terceirizam esse tipo
de atividade. “O que existe no ordenamento jurídico hoje é que a terceirização
de atividade-meio é tolerada e que a de atividade-fim é proibida, pois existe,
no segundo caso, uma empresa interposta entre o tomador de serviço e o
trabalhador somente para a intermediação de mão de obra e isso é uma forma de
tratar o trabalho como mercadoria, o que não é admitido pelo nosso ordenamento
jurídico, nem pela Constituição nem pela OIT”.
No caso, ela esclarece que a atividade de telefonia é a relação da
empresa com o cliente e que isso faz parte da atividade principal. “O assunto
agora está no STF, mas o que se espera é que não haja retrocesso nesse aspecto,
pois pode gerar mais precariedade do que a existente”, projeta.
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